Baiana se inspira em série e faz vaquinha para ajudar a identificar vítimas de crimes
O talento da protagonista da série criminal Bones para desvendar mistérios que os métodos comuns não são capazes de explicar despertou em Valentina Pereira, 21 anos, o sonho de ser uma antropóloga forense. Mas foi a realidade de um lar violento e humilde, onde a mãe era vítima de violência doméstica, que a motivou a perseguir o desejo, através da educação.
“A minha motivação para melhorar de vida foi sair daquela circunstância. Sabendo que minha mãe não deixava o ambiente de violência por falta de dinheiro, me dediquei aos estudos para me tornar uma antropóloga forense, porque entendi que só a educação me daria o conhecimento necessário para lutar por meus direitos, e me trazer boas oportunidades de trabalho”, conta.
No final do ano passado, Valentina se formou em antropologia pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), mas como no Brasil não há cursos de graduação específicos para a área que queria, buscou a especialização no exterior e foi aprovada no mestrado em Bioarqueologia e Antropologia Forense na University College London, na Inglaterra.
O trabalho de um antropólogo forense é identificar pessoas através da análise dos ossos. Geralmente a investigação é realizada em vítimas de crimes violentos, que sofrem ao ponto de ser impossível definir a identidade delas. Dadas as circunstâncias dos crimes, muitas vezes o trabalho exige a busca dos desaparecidos e a escavação de terrenos para viabilizar o resgate, por isso, é exigida habilidade arqueológica, possuída por poucos profissionais no Brasil.
“Um pesquisador da área contabilizou, em 2016, cerca de 60 antropólogos forenses no país, em sua maioria formados em odontologia e medicina, limitando o trabalho de escavação e coleta de evidências aos bombeiros”, cita a antropóloga.
Vinda da periferia no bairro de Brotas, Valentina acredita que a falta de métodos de identificação forense que levem em consideração as medidas da miscigenação brasileira dificultam o reconhecimento das vítimas. Por isso, pretende usar a oportunidade de especialização, que conquistou em uma das maiores universidades do mundo nesta área, para pesquisar e desenvolver tabelas de medidas do corpo humano compatíveis com a população brasileira.
No entanto, a apenas um mês do início das aulas – 26 de setembro -, a jovem ainda não tem o dinheiro necessário para a viagem, nem para assegurar sua permanência no curso. Para levantar fundos, abriu uma vaquinha online, em que estima o total de R$ 15 mil para custear sua ida, mas até a noite de ontem (23), havia sido arrecadado apenas R$ 320, 2% da meta.
Mas Valentina não se deixou abater. A University College London oferece 150 bolsas de permanência para estudantes do mundo inteiro. Ela passou pela seleção e foi uma das contempladas. Na segunda- feira (22) veio outra notícia positiva, a aprovação para um bolsa complementar oferecida à jovens negros e indígenas pela Fundação Hermann.
Apesar da felicidade, o valor ainda não é suficiente para todas as despesas, por isso, a vaquinha permanece aberta e a jovem planeja trabalhar em Londres para complementar a renda. Durante sua graduação, o cotidiano foi semelhante. Para custear a rotina de estudos e ajudar sua mãe, ela começou a trabalhar. Em 2019, as duas conseguiram deixar a casa antiga e, além do mestrado, a antropóloga se tornou fluente em inglês sozinha.
“Lembro que na pandemia eu trabalhava em Cajazeiras e morava em Brotas. Eram duas horas para ir, duas horas para voltar. As aulas não estavam sendo síncronas, então eu chegava a noite, assistia tudo no modo acelerado, para ser mais rápido, e fazia as atividades na tentativa de entregar antes do prazo. Tudo bem corrido, porque no dia seguinte eu estaria no trabalho de novo”, lembra Valentina.
E ela ainda pretende ir além. “Quero exercer a profissão que eu escolhi. Eu tenho a esperança de que eu seja capaz de mudar o cenário. Espero mostrar para os meus amigos que antropólogo também pode trabalhar na área forense, uma coisa que existe na América Latina, mas pouco se vê no Brasil”, almeja.
Toda contribuição para o sonho de Valentina pode ser feita através da vaquinha online ‘Mestrado Bioarchaeological and Forensic Anthropology’ e pelo pix [email protected].
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo
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