Entrevista – pesquisas eleitorais merecem fé?
Por que as pesquisas da última semana para presidente apresentaram resultados nacionais diferentes, e as estaduais mais ainda?
Essa é uma reflexão importante. Discutir isso com clareza é um dever de todos os que se dedicam às pesquisas. Essa transparência serve também como arma para se enfrentar os que tentam desacreditar os levantamentos sérios, cientificamente embasados, tentando substituí-los por enquetes e pesquisas-fake. Como é frequentemente lembrado pelos pesquisadores, as diferenças de métodos – presenciais, on-line, telefônicas com tele pesquisadores(as) ou com voz mecânica – ajudam a explicar parte importante das diferenças. Mas um fator menos ressaltado e que deve ser levado em conta na leitura dos resultados é o universo definido por cada estudo. Pois é dele que são extraídas as amostras, o conjunto de indivíduos entrevistados.
Como assim, o “universo” não é o eleitorado, os 156 milhões de eleitores registrados?
A maioria dos institutos trabalha assim. Mas nem todos. Trata-se de uma escolha. O IPEC, por exemplo, opta por trabalhar com o universo de “votantes”, como ele mesmo declara. Em termos práticos, o que isso significa? Na pesquisa que o instituto divulgou, segundo o “filtro” do questionário registrado na Justiça Eleitoral, foram excluídos os 23% de eleitores que não votaram na eleição municipal passada. Levando em conta o eleitorado da época, são 34 milhões de eleitores que ficaram de fora. Qual é a aposta que fizeram? A de que os que os indivíduos que se abstiveram na eleição dois anos atrás voltarão a fazê-lo esse ano. Isso poderá ser confirmado ou não. Dada a conjuntura da pandemia naquele momento, o TSE agora resolveu permitir que quem não votou, mesmo não tendo justificado a ausência ou pago a multa, poderá votar em outubro. Veremos se isso terá efeito em diminuir a abstenção, que em 2020 foi recorde na história recente.
Há outros exemplos dessas diferenças?
As “cotas” utilizadas pelos institutos também podem deixar ou não de fora parcelas significativas do eleitorado. Ou super representá-las. Vejamos, por exemplo, a fatia do eleitorado na base da pirâmide, os que têm renda mensal entre zero e dois salários mínimos. No DataFolha da última quinta-feira, eles foram 51% dos entrevistados. Na última pesquisa divulgada pelo IPESPE, em 25 de julho, haviam sido um pouco menos, 48%. No IPEC foram 55%. Esses percentuais sofrem pequenas variações pesquisa a pesquisa, até do mesmo instituto, porque nenhum deles utiliza uma “cota”, um percentual fixo para a participação desse contingente na amostra. Diferentemente do que faz a Quaest, por exemplo, que adota o número de 38% para esse segmento de renda. Ela justifica sua escolha com base na PNAD do IBGE. Os demais, que não utilizam cotas para essa variável, afirmam que os dados que colhem aleatoriamente se distanciam do dado oficial.
E isso muda o universo pesquisado?
Sim, lógico. Muda a composição dele. Se a Quaest estiver certa, nas pesquisas dos outros institutos mencionados o segmento de renda mais baixa – que neles comparece como a maior fatia do eleitorado – está sobrerepresentado. No caso do DataFolha, em mais de 20 milhões de eleitores. Se a Quaest estiver errada, “faltam” na composição da qual é extraída sua amostra pelo menos 20 milhões de eleitores mais pobres, com as faixas de renda mais elevada, consequentemente, tendo participação maior do que deveriam.
Então não temos segurança de nada?
Temos sim. As pesquisas fornecem boas e confiáveis fotografias de cada momento. Elas devem ser analisadas, em primeiro lugar, observando-se os eventuais movimentos nas séries de cada instituto, ou seja, da sequência de levantamentos realizados com o mesmo método. E, em segundo lugar, vistas no seu conjunto. Para isso, além do exame comparativo, há os agregadores. A exemplo do 538 do Nate Silver, nos EUA, ou de alguns brasileiros, como o OddsPointer e o do Estadão. Prefiro sempre agregadores que classificam os institutos e atribuem peso diferenciado aos dados dos mesmos em função de uma série de fatores, como tempo de atuação, etc. Mas sempre lembro que resultados de pesquisas não são prognósticos. Nem mesmo os agregadores delas. Entre as intenções e o voto na urna, ou seja, entre as atitudes e o comportamento podem comparecer vários fatores, como o voto útil e a abstenção, para ficarmos nos mais frequentes.
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