Teto do consignado não foi primeira “canetada” do governo nos juros
A empreitada do governo Lula para reduzir, na marra, os juros dos empréstimos consignados para aposentados e pensionistas do INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) não é a primeira tentativa do poder público de interferir no custo do crédito.
Enquanto não consegue convencer Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, e os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) a reduzir a taxa Selic, Lula tenta incumbir seus ministros a encontrar formas de contornar os efeitos restritivos dos juros altos. Mas outras duas experiências, do passado recente, mostram que estabelecer um limite nesse mercado não é tão simples assim.
Em 2017, o governo de Michel Temer fez algo parecido com os juros do rotativo do cartão de crédito, modalidade que é acionada toda vez em que o consumidor não paga o valor integral da fatura e empurra parte do pagamento para os meses seguintes. Na época, os juros do rotativo do cartão rondavam os 500% ao ano. Ou seja: uma dívida de R$ 1 mil se transformava em uma dívida de inacreditáveis R$ 36 mil em apenas dois anos.
O governo determinou, então, que o o Conselho Monetário Nacional, órgão responsável por normatizar o sistema financeiro, baixasse uma regra que obrigava os bancos a oferecerem alternativas menos onerosas para os clientes que recorressem ao rotativo com frequência.
A norma dizia o seguinte: se o cliente não conseguisse pagar a fatura em atraso em até 30 dias após o vencimento, os bancos deveriam oferecer um parcelamento do saldo devedor no próprio cartão com juros menores. Esse parcelamento poderia ser mais longo, de 12 ou até 24 meses, a depender do volume da dívida.
A princípio, a regra funcionou. Os juros do rotativo do cartão também cederam, como era objetivo do CMN, e caíram de 500% ao ano no final de 2016 para 280% em meados de 2018.
Seis anos depois, a situação voltou a ser preocupante. Os juros do rotativo do cartão alcançaram 417% em fevereiro de 2023, o maior valor desde 2017, quando o governo interferiu nesse mercado.
“Os grandes bancos brasileiros, que lideram o mercado, fazem isso há muito tempo e já conviveram com esse tipo de restrição diversas vezes ao longo dos últimos anos. De maneira geral, nunca funcionou. O balanço dos bancos mostram que os grandes continuam caminhando bem, apesar de tudo”, avalia João Abdouni, analista da Skopos.
Cheque especialOutro exemplo foi o do cheque especial. Em 2020, o Banco Central, sob o governo de Jair Bolsonaro, determinou que os juros do cheque especial (opção de crédito acionada quando o cliente usa o “limite” da conta corrente) deveriam ser de, no máximo, 150% ao ano, ou 8% ao mês.
As taxas caíram de 260% ao ano no final de 2019 para 110% em meados de 2020, quando a taxa Selic, que serve de referência para o custo do crédito, chegou também ao menor valor da história, de 2% ao ano. Na época, o BC reduziu os juros para ajudar no combate dos efeitos negativos da pandemia da Covid-19, que paralisou a economia.
Com a disparada da taxa básica de juros, que alcançou 13,75% ao ano, o custo do cheque especial voltou a disparar. Em fevereiro de 2023, os juros da modalidade alcançaram o maior valor desde janeiro de 2020, quando o teto para a modalidade voltou a vigorar.
Agora, o uso do “limite” da conta corrente tem um custo mensal de 7,5% ao mês, valor bem próximo ao teto estipulado pelo Banco Central. O aumento da inadimplência, especialmente em modalidades usadas tipicamente em situações de aperto financeiro, mostram que os juros devem continuar pressionados ao longo de 2023 – o oposto do que deseja Lula.
“Mesmo com a Selic estável, a curva longa de juros subiu mais de dois pontos percentuais desde a eleição do Lula. Os bancos estão reprecificando o custo dos financiamentos, porque eles se financiam com base nas taxas mais longas. Isso, obviamente, tem efeito nas taxas para os clientes”, finaliza Abdouni, da Skopos.
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