Tom Zé chega à Concha Acústica com canções do álbum Língua Brasileira
Peças de teatro inspiradas por livros ou filmes há, aos montes. Mas não é todo dia que se vê um espetáculo teatral baseado numa música. E Tom Zé, aos 85 anos de idade, continua vanguardista: fez uma de suas canções dar origem a um roteiro de teatro.
A faixa Língua Brasileira, lançada em 2003 no álbum Imprensa Cantada, conquistou o diretor de teatro Felipe Hirsch, que firmou uma parceria com o compositor tropicalista e daí nasceu o espetáculo que leva o nome da música e que estreou neste ano em São Paulo. A peça, por sua vez, deu origem a um álbum, que também se chama Língua Brasileira.
Mesmo que a montagem não venha a Salvador, os baianos têm um ótimo motivo para celebrar: Tom Zé apresenta nesta sexta-feira (2), na Concha Acústica, o show que está repleto de canções do disco lançado neste semestre. Mas um dos músicos mais inventivos do país manda um recado aos fãs:
“Não sou cabeça-dura e vou cantar alguns sucessos anteriores que a plateia conhece e cuja falta não perdoa”.
Leitor
Um dos letristas brasileiros que mais sabe brincar com nosso idioma, Tom Zé lembra como se deu sua formação de leitor. Criado numa família que tinha o hábito de ler, o baiano de Irará diz que aprendeu três línguas na infância: “A expressão comum da cidade de interior; a do homem da roça, fortemente influenciada pelo falar moçárabe, e a terceira expressão, que foi a língua política dos meus tios, que meu avô mandou para a universidade em Salvador”. Diz ainda que descobriu esse “homem da roça” através do livro Os Sertões, de Euclides da Cunha (1866-1909), publicado em 1902.
E as conversas dos tios, nas horas que se seguiam ao jantar, lhe despertaram ainda mais a curiosidade pelas palavras: “Depois, eu comecei a ler o que me caía nas mãos: de Thomas Mann a Stefan Zweig, de Hannah Artendt a Theodor Storm. E outros, e outros”, diz Tom Zé.
Pesquisa
O novo álbum teve a colaboração fundamental de pesquisadores de idiomas. Caetano Galindo, por exemplo, é tradutor de um dos mais complexos textos da língua inglesa: Ulisses, de James Joyce (1882-1941). “Tem também a baiana Yeda Pessoa de Castro, especialista em línguas africanas, única docente a portar duas pós-graduações em dois continentes: na UFBA e na universidade congolesa”, diz Tom Zé.
Língua Brasileira, como diz o texto de divulgação do álbum, “propõe-se a investigar a língua e a cultura brasileiras, celebrando suas especificidades e riquezas”. Tom Zé destaca como outras culturas contribuíram para a formação de uma língua nacional, diferente daquela que se fala na antiga metrópole:
“Entre os episódios e informações que influenciaram o idioma português falado no Brasil, há vários a enumerar: a influência ioruba; a influência do candomblé (na Bahia, nem se fala!); o linguajar quimbundo, que, colocando depois de cada consoante uma vogal, tornou nosso falar tão cantábile e musical. Acrescente-se, entre as principais influências, a do tupi-guarani”.
Indígenas
Os indígenas brasileiros estão presentes no álbum, na canção Hy-Brasil Terra Sem Mal. A letra, embora baseada numa lenda irlandesa, tem relação com o povo guarani. De acordo com essa lenda, haveria uma ilha tropical na Irlanda que era um espaço de plena felicidade, o que, segundo o músico, lembrava uma tradição dos índígenas guaranis, que não acreditavam em vida depois da morte.
“Mas eles [os indígenas] procuravam uma – assim chamada por eles – “terra sem mal”, onde a lavoura nascia sem ser plantada, a flecha ia sozinha caçar e onde o índio poderia viver para dançar, beber e descansar. Portanto, a lenda irlandesa e a Terra Sem Mal dos indígenas brasileiros se assemelham”, explica o tropicalista.
É muito provável que o show de Tom Zé tenha a presença de velhos fãs, que descobriram o artista nos anos 1960 e vão lá festejar os 85 anos do artista. Mas é certo que também haverá lá pessoas de outras gerações. E esses outros, mais jovens, talvez tenham tido contato com a obra do baiano graças a um músico britânico que tirou o tropicalista de um injusto esquecimento: David Byrne, ex-Talking Heads, que se encantou com as criações de Tom Zé e fez questão de mostrá-lo para o mundo.
“David Byrne evitou que eu voltasse para Irará na década de 80. Os meus discos então lançados por ele fizeram muito sucesso na Europa e nos Estados Unidos. Há alguns meses, minha biografia, escrita pelo autor italiano Pietro Scaramuzzo foi prefaciada de modo extremamente original e favorável pelo próprio David Byrne”, diz Tom Zé.
Tom Zé (BA) e A Trupe Poligodélica (BA/PE)
2 de setembro (sex), 19h
Concha Acústica do TCA | R$ 80 (inteira) e R$ 40 (meia) | Classificação: 18 anos
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